quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Convivência com o Semiárido faz toda a diferença!


Apesar de na mídia não se ouvir mais falar na "seca do nordeste", atualmente o povo sertanejo do Território Bacia do Jacuípe e do Sisal está vivendo momentos piores do que quando a seca estava no seu momento midiático.

Não tem chovido forte a ponto de fazer aguadas, e a seca tem castigado ainda mais as mulheres dos grupos de produção com as quais trabalho diariamente e o povo sertanejo como um todo. Cada carro de água de 10 mil litros (de uma água que não é “água doce”, ou seja, água para beber, que é uma água para os animais), custa entre R$ 100,00 e R$ 130,00, a depender do local de entrega. Há mulheres que moram bem distante do centro da comunidade rural, e nestes casos, o valor é sempre o mais caro. Na cisterna ainda tem água, mas todas reservam apenas para o consumo próprio e preparo dos alimentos, cuidando da segurança alimentar da família. Por isso compram água para tomar banho, lavar roupa, dar para os animais beberem, e outros usos domésticos.

Nesse período de seca, toda a família precisa colher o mandacaru e/ou a palma (únicas espécies que ainda resistem), moê-los para fazer ração, dar para os animais comerem, buscar água e deixar acessível para eles beberem. É um trabalho árduo que é feito pela manhã (das 5:00h às 10:30) e à tarde (depois das 15h). Sempre que elas não fazem esse serviço, os animais sofrem de fome e de sede naquele dia. Mesmo sendo feito por duas pessoas da família ou mais, o trabalho diário, realizado pela manhã e à tarde é bastante pesado, e torna difícil o agricultor e a agricultora se ausentar da propriedade nesse período.

O pior é que as conseqüências dessa seca são desastrosas e piores do que se imagina. Não basta uma chuva forte, que dê para juntar água para os próximos meses. Mesmo chovendo o pasto não renasce como era. Nasce muito mato, mas pasto, capim para os animais, que alimenta e nutre, não nasce mais, porque pelo período que ficou sem chover, a semente já morreu sem condições de florescer novamente. Além disso, os animais sofrem muito, e as agricultoras e agricultores se vêem obrigados a vender as matrizes, os reprodutores, ficando apenas com os animais menores e mais baratos. Depois, para conseguirem mais matrizes terão que pagar muito mais caro do que o valor que conseguiram vender os seus.

Preocupar-se com isso é estar atento à necessidade primeira das mulheres agricultoras rurais, que, para sobreviverem no semiárido nesse período de seca castigante precisa trabalhar muito, árdua e constantemente. Se não for assim, a solução para essa seca só seria uma: a mesma que ouvi de um agricultor, esposo de uma das mulheres de um Empreendimento Econômico Solidário - EES de Riachão do Jacuípe, que disse ter fechado a casa, vendido os animais e migrado com a esposa e a filha mais velha (única na época), ainda pequena, para São Paulo na seca de 1992. Passou 3 anos por lá, trabalhando de ajudante de pedreiro e depois como cobrador, sendo assaltado constantemente, e a esposa trabalhando de costureira. Ele disse que naquela época, não tinham cisterna, nem sabiam como armazenar água da chuva na propriedade com outras tecnologias sociais, não tinham experiência com a agroecologia, nem tinham assistência técnica rural que lhes ajudava a lidar com o semiárido, especialmente para sobrevivência nos períodos de seca.

Vemos com tudo isso a importância do trabalho da assistência técnica rural e do trabalho pedagógico de convivência com o Semiárido, pois num momento desses, toda as intervenções de aprendizado com o lidar com o clima, o  solo, as dificuldades e potencialidades da nossa região é que hoje, num período de seca que se compara ao de 30 anos atrás, não temos tantos migrantes como antes. A ralidade da tela de Portinari não é mais a nossa. Vemos mulheres e homens lutando, trabalhando duro e permanecendo em suas propriedades, levando em consideração seu sentimento de pertença à terra que nasceram e cresceram, pertença à sua identidade cultural e pertença às relações sociais construídas e desenvolvidas há anos nesse local.






domingo, 29 de janeiro de 2012

O Direito ao Delírio




O que acham se delirarmos um pouquinho?
O que acham se fixamos nossos olhos mais além da infâmia, para imaginarmos outro mundo possível.


Tente adivinhar como será o mundo depois do ano 2000. Temos apenas uma única certeza: se estivermos vivos, teremos virado gente do século passado. Pior ainda, gente do milênio passado.

Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede. Deliremos, pois, por um instante. O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão.

Nas ruas e avenidas, carros vão ser atropelados por cachorros.

O ar será puro, sem o veneno dos canos de descarga, e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões.

O povo não será guiado pelos carros, nem programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV. A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar ou uma máquina de lavar roupas.

Vamos trabalhar para viver, em vez de viver para trabalhar.

Em nenhum país do mundo os jovens vão ser presos por contestar o serviço militar. Serão encarcerados apenas os quiserem se alistar.

Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem de qualidade de vida a quantidade de coisas.

Os cozinheiros não vão mais acreditar que as lagostas gostam de ser servidas vivas.

Os historiadores não vão mais acreditar que os países gostem de ser invadidos.

Os políticos não vão mais acreditar que os pobres gostem de encher a barriga de promessas.

O mundo não vai estar mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza. E a indústria militar não vai ter outra saída senão declarar falência, para sempre.

Ninguém vai morrer de fome, porque não haverá ninguém morrendo de indigestão.

Os meninos de rua não vão ser tratados como se fossem lixo, porque não vão existir meninos de rua. Os meninos ricos não vão ser tratados como se fossem dinheiro, porque não vão existir meninos ricos.

A educação não vai ser um privilégio de quem pode pagar por ela.

A polícia não vai ser a maldição de quem não pode comprá-la.

Justiça e liberdade, gêmeas siamesas condenadas a viver separadas, vão estar de novo unidas, bem juntinhas, ombro a ombro.

Uma mulher - negra - vai ser presidente do Brasil, e outra - negra - vai ser presidente dos Estados Unidos. Uma mulher indígena vai governar a Guatemala e outra, o Peru.

Na Argentina, as loucas da Praça de Maio vão virar exemplo de sanidade mental, porque se negaram a esquecer, em tempos de amnésia obrigatória.

A Santa Madre Igreja vai corrigir alguns erros das Tábuas de Moisés. O sexto mandamento vai ordenar: "Festejarás o corpo". E o nono, que desconfia do desejo, vai declará-lo sacro. 

A Igreja vai ditar ainda um décimo-primeiro mandamento, do qual o Senhor se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte". Todos os penitentes vão virar celebrantes, e não vai haver noite que não seja vivida como se fosse a última, nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

[Palavras inspirativas de Eduardo Galeano!!