quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Manifesto de conjuntura da Marcha Mundial de Mulheres do Rio de Janeiro

Nós, mulheres e feministas da Marcha Mundial das Mulheres, vimos, mais uma vez, a público expressar nosso total repúdio à criminalização da Política, dos movimentos sociais, das/dos militantes e das/dos ativistas que ocupam as ruas da cidade do Rio de Janeiro desde Junho de 2013 contra o agudo processo de mercantilização e privatização do espaço urbano que estamos vivendo, pela redução do custo de vida, assim como por mais e melhores políticas sociais e por mais e melhores serviços públicos.

Acreditamos que as manifestações dos últimos meses evidenciam uma inflexão na política nacional e refletem o acirramento de contradições inevitáveis à realidade de um país capitalista governado por um partido político de esquerda, que, através de uma plataforma pós-neoliberal, abandonou a tônica de gerenciamento do Estado, e adotou, ao contrário, uma postura voltada à intermediação das relações entre capital e trabalho, implementando políticas para o desenvolvimento tanto econômico quanto social.
Artista: Alex Frechette, "Manifestações Diárias".
Artista: Alex Frechette, “Manifestações Diárias”.
Consideramos, no entanto, inaceitável o silêncio do poder público e a cegueira das autoridades no que tange a situação de extrema violência e violação dos direitos humanos civis e políticos instalada no Rio de Janeiro, que atribuímos à atuação draconiana da Polícia Militar sob orientação dos governos estadual e municipal. A Polícia, o Estado e o Município devem ser responsabilizados pelas mortes e acidentes, de maior ou menor gravidade, lamentavelmente ocorridos durante os protestos.
Referendamos, nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional n. 51 (PEC-51), pela desmilitarização da Polícia Militar, encaminhada pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ) à apreciação do Congresso. Não nos iludimos, todavia, sobre ser esta a solução definitiva para o problema da violência institucional. Pois essa violência tem perfil estrutural, sendo consequência da centralidade do capital em nossas vidas e de um discurso de segurança que prioriza a proteção da propriedade privada relegando a segundo plano os direitos e os interesses da população, além de contribuir para a reprodução de uma economia política de guerra que beneficia de milicianos a grandes empresários do setor.
Sabemos que as/os atingidas/os por esse tipo de política repressiva, que olha para a questão social como um problema de polícia, tem cor (negra), classe (pobres) e ideologia. Por isso, pontuamos que as ações pelo fim da violência institucional são de enorme complexidade. Todavia, entendemos que a PEC-51 constitui, sem dúvida alguma, um primeiro e importante passo.
Rejeitamos veementemente o Projeto de Lei Anti-Terrorismo, n. 499, proposto por uma comissão parlamentar mista, e o Projeto de Lei Sobre Crimes de Desordem, apresentada pelo secretário municipal de Segurança, José Mariano Beltrame, ao Senado. Com a justificativa de proteger a democracia, essas iniciativas aviltam e acabam por retroceder a mesma em nosso país. O apoio de parlamentares de esquerda a tais medidas mancha o passado de lutas desse campo em prol da democracia, incidindo tristemente sobre a memória de companheiras e companheiros presas/os, torturadas/os e assassinadas/os durante a ditadura militar brasileira.
Sentimos e apresentamos condolências à família e aos amigos do senhor Tasman Accioly e do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade pela perda trágica de ambos durante a manifestação contra o aumento das passagens ocorrida no dia 06/02 na Central do Brasil, Rio de Janeiro. Estes casos devem servir, subvertendo o tipo de repercussão por eles alcançada, para fortalecer as denúncias em relação as cerca de 25 mortes e às centenas de feridos nos protestos do Rio de Janeiro em função da violência policial.
Acusamos a enorme irresponsabilidade da mídia corporativa na abordagem desses casos, uma vez que ela, apressando-se em estabelecer um julgamento sumário extrajudicial, além de manipular imagens e informações, produzindo provas falsas, logo, criminosas, atrasa, e possivelmente confunde, o trabalho da Justiça.
Prestamos solidariedade às companheiras e aos companheiros do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que têm sido alvejados por calúnias irresponsáveis, cujo único objetivo é deslegitimar a atuação de partidos políticos de esquerda, de lutadoras e lutadores sociais, evitando, assim, uma nova onda de manifestações na cidade em prejuízo dos megaeventos que se encontram no horizonte e também dos interesses eleitorais das classes dominantes.
Reiteramos que a pauta de lutas do movimento feminista em favor de uma melhor cidade para todas e todos se encontra inteiramente de acordo com o que foi apresentado pelo força multitudinária que tem tomado as ruas e agitado a agenda política carioca nos últimos meses. Incentivamos a ocupação do espaço público com política.
Reivindicamos que tal ocupação, assim como a circulação nas ruas, se dê livre de constrangimentos, sejam eles de classe, de raça ou de gênero. Exigimos uma maior oferta de serviços e equipamentos públicos adequados à existência na cidade, sob igualdade de condições, de mulheres e homens. Defendemos, por isso, o passe livre como um direito à identidade e à territorialidade. Demandamos creches e lavanderias públicas como forma de compartilhar o trabalho do cuidado que, hoje, recai prioritariamente sobre nós, mulheres.
Lutaremos até o fim pelo direito de opinião, reunião e manifestação, amparados pela Constituição Federal de 1988, contra práticas opressivas e repressivas por parte do Estado sob estímulo e influência do grande capital e da classe empresarial que reivindica, hoje, a posse da cidade do Rio de Janeiro.
Continuaremos em marcha até que todas e todos sejamos livres!
Marcha Mundial das Mulheres – Rio de Janeiro