terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Livre Pensar em Saramandaia [3]

Uma característica incrível do João Gibão, é que as asas veem acompanhadas do dom da visão. Na trama, ele vê o passado, mas também o que pode acontecer na vida das pessoas e da cidade, caso as coisas não mudem, caso elas não façam nada para mudar uma dada situação. A incompreensão acerca das visões e das denúncias é recorrente. A maioria das pessoas não enxergam suas próprias amarras, que dirá as amarras do sistema na macroestrutura. 
Assim, é que começo a refletir que o caminho da liberdade, do livre pensar, da individuação, do empoderamento diante da sociedade castradora e homogeneizante é também o caminho da visão, do olhar para além do momento, para além do óbvio, por detrás das palavras, das coisas, das estruturas. É o caminho profético que denuncia e alerta as mazelas e as desigualdades, as injustiças e subjugações. 
Essas visões refletem o olhar de quem vê à frente de seu tempo, à frente das aparências. E para isso, só mesmo quem voou para muito longe, e de cima, observou tudo o que se passa lá embaixo. Essas metáforas me lembram vários nomes... desde Jesus que foi levado pelo diabo à um lugar muito alto, até Zaratustra... Mas, independente desses, vejo que a liberdade faz a gente enxergar mais longe. E que esse olhar para além do instantâneo, do momento presente, seja também um olhar para o horizonte, para o não-lugar, para o lugar da graça e das possibilidades, para uma utopia viva e urgente.
Liberdade e livre pensar também implica em responsabilidade com o outro e com a comunidade através de uma voz profética e libertadora para todo tipo de desigualdade, moralismo e fundamentalismo.

domingo, 22 de setembro de 2013

O Livre Pensar em Saramandaia [2]


A dor de João Gibão durante toda sua vida, em ter que esconder que era uma pessoa com asas, é um sofrimento causado única e exclusivamente por contratos sociais de normalidade/anormalidade diante do que foi postulado como certo - regra, norma, lei, parâmetro -, por uns homens em detrimento de outros. E como se não bastasse a sociedade pressionar e tentar interromper o livre pensar, as pessoas que se arvoram nessa incrível experiência também se veem amarradas em ousar voos cada vez mais altos e duradouros. Quem já nasce com esse sentimento e essa perturbação dentro de si, muitas vezes se vê forçado a atar suas asas e a esconder de si mesmo sua força e virtude, o que é motivo de muita dor, tristeza e sofrimento.
E vencer a si mesmo, aos nossos medos, preconceitos, amarras... se transforma na primeira grande barreira a se transpor até alçar os voos do Ser. Mas não é fácil tentar se locomover com uma sociedade inteira (modelo de família, escola, religião, comportamento, sexualidade, trabalho, relações sociais) educando e instruindo o caminho que todos devem seguir. Os corpos são educados e castrados de tal maneira, para que se conformem a um único estado de convívio social. Imaginem as várias amarras que temos e que nem as percebemos!
Mas o espírito livre, irrequieto, clama por um quê a mais de existência, e, pouco a pouco, segue no caminho da individuação para uma vida em comunidade. A trilha, muitas vezes, é vivida sozinha, o que não significa que não haverá pessoas no caminho. Serão cruzamentos indispensáveis, mas que logo, também seguirão seus particulares caminhos. E o cruzamento com essas pessoas transformará sempre o nosso caminho, se deixarmos ser impactados por elas.
Liberdade implica se diferenciar da homogênea pasta humana fabricada pela global indústria cultural. Implica vencer antes de tudo, a nós mesmos. Implica primeiramente a nos aceitarmos e seguirmos um caminho que é exclusivamente nosso, a fim de estarmos em comunidade deixando um pouco daquilo que é exclusivamente nosso, mas também, sendo marcados por cada um e cada uma de maneira significante e subjetiva.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O Livre Pensar em Saramandaia

Deverasmente fiquei muito admirosa do quanto uma mini-série, inspirada num texto do Dias Gomes, se conectou com algumas ideias entorno da liberdade, da criatividade, da emancipação e do empoderamento.
A personagem do João Gibão é um jovem idealista que aparentemente se mostra corcunda e que, por conta de seu "defeito físico" e de suas ideias, sempre incomodou muita gente na pequena e incomum cidade de Bole-Bole, ou melhor, Saramandaia. Ele incomoda as pessoas conservadoras da cidade, as que votam e apoiam os mesmos políticos desde sempre, reafirmando o poderio dos coronéis; incomoda as pessoas religiosas, aquelas fundamentalistas, moralistas, sectárias, que insistem em ver o mundo binariamente, entre certo/errado, céu/inferno, normal/anormal, deus/demônio; e também incomoda a todos que reproduzem os padrões da moral, do sistema do capital e dos papéis sociais que colaboram para todo tipo de construções de opressão. João Gibão também é responsabilizado por todas as "desgraças" que vai acontecendo na cidade e na vida dessas pessoas que se sentem incomodadas por ele ao longo da trama, a ponto dele ser responsável pelo mudancismo do nome da cidade, pelas descobertas das verdades históricas que envolvem as famílias tradicionais da cidade, pela morte das pessoas, pela separação dos casais.
O curioso é que na verdade, João Gibão não é corcunda, ele possui asas! E essas asas causam emoção incomparável aos poucos espíritos livres que os contemplam. Mas para todo o resto da cidade, isso seria uma aberração da natureza, o João Gibão seria considerado o filho do diabo. E é interessante essas metáforas todas... porque a Liberdade, representada pelas asas, é considerada pela sociedade com muita estranheza, com um sentimento de nojo, de diabólico, de abjeto. É visto como anormal e suscita reações fundamentalistas e violentas... A liberdade é aquilo que traz uma reflexão acerca da política, da economia, da religião, dos códigos sociais... e concomitantemente, leva a uma postura crítica e criativa diante da vida que reflete num processo de individuação, de empoderamento, de emancipação, de subjetivação.
Que presente poder elaborar todas essas questões Joãogibentas dentro de mim!!