sexta-feira, 31 de julho de 2015

Vida Contemporânea



Soube que hoje seria o dia em que a lua apareceria grande, imponente e azul. O próximo evento como esse apenas em 2018. Então, lembrada pelo grupo do WhastApp, percebi que já era hora de contemplar esse espetáculo da natureza.
Corri para a parte não coberta da garagem, mas não dava pra ver nada. Então, fui instintivamente para o quintal, onde tem mais espaço, por certo, verei a lua, pensei. Mas, mais uma vez fui frustrada ao perceber que dentro de casa não poderia ver o “show da lua ao vivo”.
Bom, me muni do que a gente precisa pra sair até ali na outra esquina numa capital: celular, dinheiro e um documento... como não sou lá tão responsável, deixei o documento. Ah! sim, peguei também as chaves de casa, é claro, afinal, na vida contemporânea de uma cidade grande, estamos sós em casa, na maioria das vezes num dia normal de semana; normal, exceto pelo evento da lua...
Lá fui eu. Fico num bairro afastado do centro, numa parte do bairro afastada de seu centro, em uma rua pouco movimentada, e com poucas construções no horizonte, então, assim que saí de casa, ainda na minha rua, consegui avistar a lua! Não estava azul, mas estava enorme, no horizonte ainda, e bem amarelada. Isso aconteceu por volta das 18:20h em Fortaleza-CE, Brasil, do dia 31 de julho de 2015. Nesse instante, já estava na esquina, de onde tirei uma foto do meu celular barato, o que ficou uma bosta, porque tirar foto da lua sem câmera profissional, e ainda mais com um celular barato é o mesmo que tirar foto da luz do poste.
Bom, mas o que importava é que a lua estava realmente bonita! E valia a pena contemplá-la. Algo que o sujeito na contemporaneidade está tentando resgatar de seus antepassados, quando a visão da lua era realmente bonita, entre as árvores, com o brilho dela refletido num espelho d´água... mas eu estava numa esquina de um bairro periférico de uma capital e as pessoas que estavam vindo do outro lado da rua me fizeram lembrar que já estava escuro, e que apesar do movimento normal para o horário do rush, eu não deveria ficar dando bobeira com um celular na mão, ou mesmo parada numa esquina. Segui em direção a rua principal, onde teria mais movimento, para saber o que fazer... talvez sentar numa praça de alimentação a céu aberto de uma galeria próxima.
Ao perceber que, se fosse à praça de alimentação, possivelmente não veria a lua, devido sua localização, desisti e decidi atravessar a rua e me sentar na parada de ônibus em frente a lua. Foi o que fiz. Olhando pra ela, em meio a nuvens, que daqui a pouco iriam encobrí-la por completo, me deparei o quão des-graçada é a vista da lua de quem mora numa cidade grande! Eu não estava corrida, não estava voltando cansada ou indo apressada para lugar algum, não tinha que me ocupar de mais nada naquele momento, mas ainda assim, os muros, as casas e suas antenas de TV, as poucas árvores da rua, e especialmente os carros, caminhões e ônibus distraíam e até impediam a visão da lua.
Lembrando que sou um sujeito, mulher, parada sozinha num ponto de ônibus, ainda podemos contar como distração da minha tentativa de contemplação e quietude, reflexão da minha vida e apreciação de um momento belo, tentando fazer da minha vida uma obra de arte, de acordo com meu filósofo querido, Foucault; vem carros com homens macho-alfa e buzinam, passam devagar e soltam piadas, me lembrando que sou apenas uma mulher sozinha numa parada de ônibus de cidade grande, e que estou sujeita aos contextos históricos e sociais que construíram as subjetividades/comportamentos do lugar onde estou no mundo, e que, por causa disso, e sem questionar essas construções, os homens que passaram por mim fizeram tais atitudes me lembrando que devia ir pra casa, afinal, de todo modo, as nuvens já haviam encoberto a lua mesmo...
Tudo isso me fez pensar o modo de contemplar a lua que me estava à disposição: em meio a multiplicidade de fatores, extrínsecos e intrínsecos a mim, sem qualquer essência do que deveria ser o momento, atravessado por inúmeros pensamentos e eventos.
Não sei qual o jeito certo de tentar ver a lua, com certeza há momentos mais tranquilos e belos para isso, mas tentar transformar isso em texto/corpo de mim mesma pode ser também belo e ir compondo o mosaico de minha vida.
E assim se fez! Eis que sem denominar "o que é" ou "como deve ser", vi o quanto era bom; e assim foi.