sábado, 19 de junho de 2010

E a vida? É bonita, é bonita e é bonita

Depois de cinco anos convertida ao protestantismo, fui a um culto fúnebre de um casal que havia morrido tragicamente num acidente de carro, deixando duas filhas adolescentes. Eles eram da Igreja Batista há bastante tempo e tinham amigos suficientes para lotar o templo e a área de fora da igreja. Foi o primeiro culto fúnebre que participei. E achei lindo! As pessoas cantavam em meio à dor. A esperança da salvação trazia um conforto imensurável aos enlutados. As pessoas não estavam simplesmente reunidas como em muitos cultos rotineiros, mas via-se um sentimento de ajuntamento, de comunhão. A morte, representada nos corpos, nada dizia ou impunha aos espíritos livres na eternidade da vida com Cristo. Assim, foi que o culto fúnebre tornou-se para mim, o mais belo dos ritos protestantes.
No entanto, hoje, quando penso no culto mais bonito que presenciei, penso na minha religião cristã. E quando penso nela, não posso deixar de lembrar da força com que ela se impõe a partir dos seus dogmas e moral na sociedade onde ela está. Se por um lado a religião contribui para o bem estar do ser humano, ofertando-lhe esperança de uma vida melhor hoje e na eternidade, autoconfiança por acreditar que existe um Deus que lhe protege e ama, laços fortes entre os membros da comunidade que auxiliam na sobrevivência, entre outros, existe também dentre vários desserviços à sociedade e ao indivíduo como ser-no-mundo, a tristeza de propagar uma religião para a morte.


Não é à toa que o culto fúnebre seja bonito, porque é para a morte que se vive, no protestantismo. Se por um lado, ajuda os enlutados a superar um momento difícil de suas vidas, além de preparar as pessoas a enfrentar a morte (o que não é ruim)... por outro, é almejando a eternidade que fazemos qualquer coisa na vida presente, inclusive negar essa mesma vida. O espiritismo também é uma religião que pensa na morte como rito de passagem, mas ao contrário de nós, protestantes, eles encaram a vida presente como uma oportunidade de fazer o melhor dela. Enquanto isso, nós encaramos a nossa vida toda, a única que temos, a única que nos foi confiada no presente momento, como um rito de passagem. E não sabemos aproveitá-la, mas negamo-la.


O poeta e cantor Gonzaguinha, um dos compositores que mais escreveu sobre a vida, diz em uma de suas letras mais conhecidas “O que é, o que é?”, que a vida é desejada, independente de como se vive. Ela, em si, é o mais importante. Viver melhor é uma coisa boa e deve ser almejado, mas viver já é o suficiente para que todo o resto aconteça. Gonzaguinha valoriza e dinamiza a vida, enchendo-a da própria vida. Encoraja que se viva melhor a vida que se tem, pois é o bem mais precioso que possuímos. Sem medo de ser feliz nessa vida, e lembrando que dela não somos professores, mas sempre aprendizes.


Penso que devemos aprender um pouco mais com os poetas. Eles falam e cantam a vida melhor que nós, protestantes.


O que aprendemos com a nossa religião é que a vida errada não merece ser vivida, a culpa católica presente se não na teologia, no imaginário protestante, faz com que se queira sim a morte, ao contrário do que diz a música: “Sempre desejada / Por mais que esteja errada / Ninguém quer a morte / Só saúde e sorte...”.


Podíamos também aprender que da vida não somos os mestres, nem os detentores do saber e da verdade, mas somos aprendizes. “Cantar e cantar e cantar / A beleza de ser / Um eterno aprendiz...” Aprendemos com nosso grande mestre, Jesus Cristo, e também com o nosso próximo. E se pensarmos nosso próximo como Emmanuel Lévinas, devemos aprender especialmente com o “outro” que é completamente outro de nós. Que seria: o outro da religião diferente, de etnia diferente, de sexo e orientação sexual diferentes, de situação econômica diferente, e tantas outras classificações diferentes que podemos apresentar.


Se somos fruto do “sopro do Criador, numa atitude repleta de amor”, então deveríamos amar mais a vida que temos. Importar mais em como viver bem, do que em morrer bem. O que faz das pessoas mártires é a sua expressão na vida, e não como morreram. Eles se toranaram lembrados pelo que representaram em vida e por sua luta na vida. A forma de sua morte é apenas consequência disso.


O culto fúnebre pode continuar bonito. Mas não gostaria que o culto fúnebre de minha religião fosse o rito mais bonito enquanto que sua teologia nega a vida, engana pessoas, oprime a vida à serviço da instituição, enclausura os fiéis com ilusões e culpa, subestima a capacidade de aprendizado do ser humano e se propaga como a detentora da verdade do mundo. Não quero cantar a música da morte, mas da vida!


“Viver, e não ter a vergonha de ser feliz (...) Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita!”

9 comentários:

  1. Perfeito! De fato nosso protestantismo tradicional tende a ver a vida como "plena se for negada". Lamentável que seja assim, posto que a vida deve ser vivida e vivida até o último momento, em plenitude de alegria (ou, quando na falta dela, de esperança). A morte um dia virá e eu pretendo "vive-la" intensamente também, mas, enquanto ela não vem, eu bebo cada instante da vida de um gole só.

    Forte abraço e parabéns pelo blog

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  2. Amiga..é muito lindo isso! Te amo. Acho que assim vc vai conseguir mostrar ao mundo e a si mesma pra o que veio. bjs Oly

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  3. Anísia, se você prometer continuar escrevendo com essa beleza e paixão, promento continuar aprendendo a viver para a vida... Um abraço orgulhoso.

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  4. Parabéns Amiga!
    Eu aprendo com vc o tempo todo. Te amo.

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  5. Você descobriu o que muitos passam a vida inteira a negar: o protestantismo pode ser altamente excludente e opressor. Também descobri isso a algum tempo, quando me vi como pessoa humana e me puseram fora da categoria! Quando descobri que me privavam de buscar o melhor dizendo-me que "o caminho aqui era cheio de espinhos, mas que devia esperar calada, sem questionar, suportar tudo e aguardar pela vida futura!" Descobri que se mata muito mais que se leva vida ao classificar pessoas em categorias impostas pelas nossas "verdades". Descobri que se prega liberdade vivendo opressão... Hoje sou livre! Livre para pensar por mim mesma e fazer as minhas escolhas e, acima de tudo: não permitir que ninguém coloque sobre mim um peso do qual Jesus já me livrou.

    Você é livre, Deus te fez assim. Você merece ser muito, muito feliz e continuar me inspirando sempre!! Um grande bjo, eu amo vc!!

    Lajana

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  6. Pessoal, vcs são minha inspiração de continuar acreditando em mim e na vida! Muito obrigada pelos comentários de incentivo!!!

    Wagrner... vamos marcar para beber alguns instantes da vida de uma garrafada só... rsss

    Oly amiga!!! Muito obrigda pela amizade de sempre...

    Madonirammmmm!!!! Meu mestre!!!!! Sempre...

    Bia, amiga linda da qual tb sou aprendiz!

    Lajana!! Como é bom te ouvir!! Como é bom saber de vc e de como vc pensa... Espero revê-la em breve!!

    Bjo em tod@s!!

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  7. Minha amiga, irmã, conselheira, companheira... minha Neta!

    Que texto lindo!
    Lendo o texto, refleti sobre nossa conversa na última vez que nos encontramos (eu, vc e Oly) e na tortura que era quando eu pensava que para ter a vida eterna teria que abrir mão da vida que me faz faz feliz para viver a vida de dogmas, regras, culpas, proibições, estereótipos... mas não suportei e desisti da religião como me foi ensinada... e aos poucos fui aprendendo que viver em Cristo traz liberdade porque não está atrelado à religião que traz a culpa. Como foi bom aprender e tirar os quilos de culpa dos ombros... e um dia, em sua casa, aprendi sobre pessoas que buscam ao Deus verdadeiro e que são pessoas livres. Aprendi tanto aquele dia com vc... Aprendi com as reflexões deste texto!

    Tenho muito orgulho do teu crescimento e da tua trajetória em busca de si mesma...
    Amo você para sempre... Manu

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  8. Que maravilha... Nessa sua caminhada de aprendiz da vida, aprendendo, você nos ensina sobre aprender. Belíssimo, instigante, emocionante texto. Bravo!

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  9. Nossa...Bonita, teológa e escritoraa!
    Tem mais qualidades enterradas aí?Rsrs.
    Gostei muito do teu texto e de fato sua reflexão me é comum foi já sofri muito com todo esse problema de dogma, fé e pensamento...
    Mas, que cantemos a vida, pois nela Deus está, ele que a soprou em nós!
    Abraço pra vc e obrigada por me seguir querida, será recíprocoo!

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