sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Filosofar é aprender a morrer



A filosofia e a religião teem em comum a convicção de que a angústia impede de viver bem. E como o medo do irreversível mais implacável que convivemos é a morte, tanto uma como a outra trataram, a seu modo, de "resolver" este problema que aflige o ser humano.

A religião criou um mundo visível (aos olhos da fé), sonhado, e querido por muitos, que dá a certeza da salvação,  ou seja, a vida eterna. Ou na continuidade do espírito em outras vidas, ou em uma outra vida, "novo céu e nova terra"[1], ao lado do Sagrado, a salvação, geralmente se dá mediante a fé, por obra e graça da divindade.

Já a filosofia, encara essa salvação, não como uma obra de Outro, de um Ser "transcendente", mas por obra pura e simples de nós mesmos. A filosofia desafia o ser humano a encontrar suas saídas por si próprios, pela via da razão. "Filosofar é aprender a morrer"[2].

Se pensássemos que o bem-estar não é o único ideal sobre a terra, mas que a liberdade também é um bem a ser perseguido, podemos pensar que a religião faz da morte uma ilusão, e corre o risco de fazê-lo ao preço da liberdade de pensamento.

Saber lidar com a presença da morte é também viver bem. Saber que ela chegará e ficar tranquilo com isso, sem a necessidade de ter que ir (ou voltar) pra algum lugar onde a vida continue é também aprender a viver. A morte faz parte da vida. Não precisamos negá-la! Assim diz F. Pessoa: "O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela”[3]

No ponto de vista dos filósofos, já que o dos religiosos é, com certeza diferente... Filosofar, mais que acreditar, é, no fundo, preferir a lucidez ao conforto, a liberdade à fé. Trata-se, em certo sentido (é verdade!) de "salvar a pele", mas não a qualquer preço![4]



[1] BÍBLIA SAGRADA. Apocalipse.
[2] MONTAIGNE. Ensaios. Livro I. Cap. XX.
[3] PESSOA. Fernando. Livro do Desassossego.
[4] FERRY, Luc. Aprender a viver: Filosofia para os novos tempos. (Texto Adaptado)

6 comentários:

  1. Sempre gostei de filosofia mais que de religião, pois a primeira me dava asas para pensar, usar minha razão, repensar, descobrir e redescobrir ideias outras...Enquanto que a religião, sempre com seus dogmas, gaiolas e taxações, me sufocavam, e infelizmente, ainda existem alguns resquícios disso...
    De todos os autores citados, que mais mexe comigo no texto é Pessoa...Pois que muitos de nós passamos a vida planejando a morte, ou, esmurrando nosso ser e desperdiçando nossa vida por medo da morte eterna. Eu sei que vou morrer, e isso nem é chato, vida eterna cansa (tem gente que vai querer me mataar...kkk)e eu acho isso mesmo! Quero saber viver ESTA vida que me foi dada por Deus de uma maneira que eu saiba me relacionar com o coletivo, amar as pessoas, e a própria vida, fazê-la eterna por meio de momentos e lembranças ótemas...#VIAGEMDEANÍSSIMA

    Adooorei o texto amiga, parabéeeeeeeeens!

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  2. Enquanto tanta gente se debate em discussões idiotas e irrelevantes, vc Netinha nos convida ao essencial, às únicas perguntas sobre as quais realmente vale à pena consumir o espírito, e como elas consomem!!!
    Acho que só umas das nossas conversas homéricas para eu poder expressar tantos pensamentos que vc incitou em minha mente.
    Deu vontade de comentar o texto todo, ideia por ideia, como numa dieta, mas não vou transformar os admiradores do seu blog em homicidas e fazer de mim um falecido virtual.
    Bem, começo dizendo que, apesar de ter estudado alguma coisa de filosofia e religião, não consegui ficar convicto de que a angústia impede de viver bem. Pois, caso eu me convencesse, restaria também, necessariamente, desgraçado (muito mais, quero dizer)! A angústia pra mim é como um mar no qual eu aprendi a nadar; é um truque que aprendi – flutuo sobre as águas. Porém, às vezes eu canso e fico submerso, chegando até a me afogar vez ou outra. Ainda bem que chega alguém e me traz à superfície de novo e eu recupero o fôlego. Na maioria das vezes são filósofos, poetas e sábios, e outras vezes são uns poucos amigos que resolvem encarnar todos estes angustiados companheiros.
    Tem outra coisa que eu também não aprendi com a filosofia, na verdade eu desvendei seu mistério(rsrs): ela acomete a todos que se servem da sua mesa de uma grave doença chamada “lucidez”! De tão doente um dos seus mais respeitáveis convidados chegou a dizer que todos nós tínhamos sido punidos cruelmente, sabe-se lá por quem, mas provável que seja por ninguém mesmo, ou por um tal de nada, sei lá. O certo é que algum carrasco nos condenou a ser livres, só nos restando fugir na tábua da má-fé ou enfrentar as correntezas da angústia.
    Todavia, por mais estranho que pareça, este esquisito banquete torna as nossas vidas encantadas ao declarar numa famosa máxima que “somos seres para a morte”. Hã? Isso mesmo! Por que neste caso nada está determinado, o futuro é sempre aberto e a superação de nós mesmos é constante, como projetos nunca nos concluímos. Não há nenhum sentido a priori na vida, mas apenas o próprio significado que cada ação única e singular que praticamos expressa. Nós fabricamos razões, lhes erguemos altares até que apostatamos e criamos outros sentidos.
    Ei, peraí, peraí... para tudo! Maldita lucidez! Vai acabar me matando. Como não pode existir uma razão última, uma razão para a existência? Estamos no aberto perigo das grandes e pequenas horas? Quem vai arrumar as coisas quando nos descuidarmos? Quem vai fazê-las dar certo?
    Por favor, chamem os religiosos! Onde estão os místicos e os que têm contato com as forças superiores? Tomara que elas existam e nos dêem uma boinha quando a gente cansar.

    P.S. Acho que vão me matar de todo jeito!

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  3. Que beleza, Anísia. Fico feliz por sua filosofia ser permeada pela teologia e sua teologia, tão poética e filosófica. Você é essa colcha de tantos diferentes retalhos. Retalhos de fé, de subversão, de filosofia, de teologia, de poesia, de menina e de mulherde, de amor e paixão. Lindo texto sobre essa nossa "vida mortal ou morte vital" (Agostinho).

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  4. Por Jéssica Pontes

    ‎"lucidez ao conforto, liberdade à fé"! Sim, pq quem filosofa precisa duvidar. A dúvida é o que proporciona o movimento para a apreensão deste ou daquele conhecimento. Em contrapartida, este desconforto e esta descrença são apenas instrumentos para que cheguemos no conforto do SABER, e a FÉ sempre está embutida na dúvida. A dúvida é meio da especulação. E quem especula tem fé de encontrar, senão não especularia. Só se inquieta e procura quem tem fé de encontrar. ENGANA-SE O FILÓSOFO QUE SE DIZ DESCRENTE. Quanto ao Montaigne, ele é lindo, né? Ainda que eu ache que o filosofar não seja apenas aprender a morrer [acho que isso cabe mais à religião], mas aprender a viver bem [a atingir a felicidade, que desde sempre foi motivo de discussão da ética. E aqui eu não vou me estender muito], através do saber. Filosofia e Religião, cada um no seu quadrado, no entanto linkados pela e para a satisfação humana.

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  5. Chupando picolé de cajá..

    Tendeu não? É que é uma das coisas q adoro fazer, e me dá um prazer imensurável.. rs

    Foi assim que me sentir aqui, me deliciando com o post maravilhoso e os riquíssimos comentários... Aff, aprendo d+ navegando nesse mar de poesias e prosas!! E o melhor, descobro-me e me reinvento.. bjoooo lindonaaa!!!

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  6. Anísia, eu, que amo a filosofia tanto quanto a morte, sou extremamente suspeito para falar do seu texto. Amo ambas e explico.

    Amo-as porque elas preenchem meus pensamentos de mistérios, de insatisfações, de incertezas, de loucura... Amo-as porque elas me mostram o quanto sou finito, pequeno, vil...

    Loucura amar assim? Talvez. Mas dos mistérios, fico com a beleza. Das insatisfações, levo o progresso. Da loucura, o riso. Da finitude, bebo o devir por inteiro. Da pequenez, vejo os detalhes. Da vileza, resta-me o encontro com os meus.

    É por isso, amiga, que sem mais o consolo daquela fé numa vida pós-morte, finco os pés nessa existência. Armo minha tenda e descanso no pasto verdejante. Sem pastor, claro, pois o lobo mal, pra mim, tb já não existe.

    Dessa lucidez (louca) e liberdade não abro mão. Nem posso. Seria isso realmente liberdade? Certamente. Nisso concordo com Sartre, acredito que estou "condenado a ser livre". Uma leitura sartreana daquele velho texto sagrado poderia ser: "foi para estar preso à liberdade que Cristo nos libertou". Agora que já citei a Bíblia, posso dizer "amém"? rsrsrs

    Um beijo, minha baiana arretada.

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