
No entanto, hoje, quando penso no culto mais bonito que presenciei, penso na minha religião cristã. E quando penso nela, não posso deixar de lembrar da força com que ela se impõe a partir dos seus dogmas e moral na sociedade onde ela está. Se por um lado a religião contribui para o bem estar do ser humano, ofertando-lhe esperança de uma vida melhor hoje e na eternidade, autoconfiança por acreditar que existe um Deus que lhe protege e ama, laços fortes entre os membros da comunidade que auxiliam na sobrevivência, entre outros, existe também dentre vários desserviços à sociedade e ao indivíduo como ser-no-mundo, a tristeza de propagar uma religião para a morte.
Não é à toa que o culto fúnebre seja bonito, porque é para a morte que se vive, no protestantismo. Se por um lado, ajuda os enlutados a superar um momento difícil de suas vidas, além de preparar as pessoas a enfrentar a morte (o que não é ruim)... por outro, é almejando a eternidade que fazemos qualquer coisa na vida presente, inclusive negar essa mesma vida. O espiritismo também é uma religião que pensa na morte como rito de passagem, mas ao contrário de nós, protestantes, eles encaram a vida presente como uma oportunidade de fazer o melhor dela. Enquanto isso, nós encaramos a nossa vida toda, a única que temos, a única que nos foi confiada no presente momento, como um rito de passagem. E não sabemos aproveitá-la, mas negamo-la.
O poeta e cantor Gonzaguinha, um dos compositores que mais escreveu sobre a vida, diz em uma de suas letras mais conhecidas “O que é, o que é?”, que a vida é desejada, independente de como se vive. Ela, em si, é o mais importante. Viver melhor é uma coisa boa e deve ser almejado, mas viver já é o suficiente para que todo o resto aconteça. Gonzaguinha valoriza e dinamiza a vida, enchendo-a da própria vida. Encoraja que se viva melhor a vida que se tem, pois é o bem mais precioso que possuímos. Sem medo de ser feliz nessa vida, e lembrando que dela não somos professores, mas sempre aprendizes.
Penso que devemos aprender um pouco mais com os poetas. Eles falam e cantam a vida melhor que nós, protestantes.
O que aprendemos com a nossa religião é que a vida errada não merece ser vivida, a culpa católica presente se não na teologia, no imaginário protestante, faz com que se queira sim a morte, ao contrário do que diz a música: “Sempre desejada / Por mais que esteja errada / Ninguém quer a morte / Só saúde e sorte...”.
Podíamos também aprender que da vida não somos os mestres, nem os detentores do saber e da verdade, mas somos aprendizes. “Cantar e cantar e cantar / A beleza de ser / Um eterno aprendiz...” Aprendemos com nosso grande mestre, Jesus Cristo, e também com o nosso próximo. E se pensarmos nosso próximo como Emmanuel Lévinas, devemos aprender especialmente com o “outro” que é completamente outro de nós. Que seria: o outro da religião diferente, de etnia diferente, de sexo e orientação sexual diferentes, de situação econômica diferente, e tantas outras classificações diferentes que podemos apresentar.
Se somos fruto do “sopro do Criador, numa atitude repleta de amor”, então deveríamos amar mais a vida que temos. Importar mais em como viver bem, do que em morrer bem. O que faz das pessoas mártires é a sua expressão na vida, e não como morreram. Eles se toranaram lembrados pelo que representaram em vida e por sua luta na vida. A forma de sua morte é apenas consequência disso.
O culto fúnebre pode continuar bonito. Mas não gostaria que o culto fúnebre de minha religião fosse o rito mais bonito enquanto que sua teologia nega a vida, engana pessoas, oprime a vida à serviço da instituição, enclausura os fiéis com ilusões e culpa, subestima a capacidade de aprendizado do ser humano e se propaga como a detentora da verdade do mundo. Não quero cantar a música da morte, mas da vida!
“Viver, e não ter a vergonha de ser feliz (...) Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita!”